Registo das cláusulas abusivas - O caso português
I GENERALIDADES
1. Razão de ordem
2. O registo suporte da publicidade dos actos – emanação oficial
3. Os registos informais – o CLAB na órbita da Comissão Europeia
II REGISTO E TRAMITAÇÃO REGISTRAL
1. Decisão
2. Notificação do tribunal “a quo”
3. Serviço: estruturação do registo e sua actualização
III REFLEXOS DO REGISTO
1. As vantagens do Registo ante as acções singulares que se prevalecem das decisões incidentais de nulidade
2. A prevenção geral
3. A prevenção especial
(continuação da edição anterior)
IIREFLEXOS DO REGISTO
1. As vantagens do Registo ante as acções singulares que se prevalecem das decisões incidentais de nulidade.As vantagens do Registo são manifestas.Tanto mais que pela estrutura própria das acções singulares fundadas no caso julgado produzido pelas decisões proferidas em acções inibitórias, a ciência dos julgados, a publicidade de tais decisões é fundamental para o exercício do direito de acção que incumbe, nos termos gerais, aos aderentes que hajam subscrito já contratos singulares formados à luz de condições gerais proibidas ou insusceptíveis de recomendação por decisão dos tribunais passada em julgado.
Por outras palavras: como as decisões proferidas em acção inibitória não têm eficácia erga omnes, antes valem para o futuro, não atingindo directa e imediatamente as cláusulas apostas em contratos singulares já celebrados com base nos formulários total ou parcialmente chumbados pelos tribunais, a difusão dos julgados tem-se por indispensável.E indispensável porque a eficácia é ultra partes, a saber, no sentido de que os aderentes titulares de contratos singulares poderão delas prevalecer-se para proporem as acções de declaração de nulidade (acção comum singular) porque a decisão inibitória é em si mesma ou comporta uma declaração incidental de nulidade.
Incidental porque se reflecte, isso sim, nas acções que vierem, entretanto, a instaurar-se por cada um dos aderentes reais prejudicados por cláusulas tais17 , que se limitam a absorver a decisão inibitória precedente e a decretar a nulidade nas cláusulas patentes.Por conseguinte, o acesso a decisões de forma ampla, generalizada, sem restrições, que o registo em teoria proporciona, constitui vantagem implícita que estultícia seria encarecer.Mas é indispensável que o Registo prime pela actualidade, disponibilidade e incondicionado acesso.De outro modo, frustrar-se-ão os objectivos a que visa e nele se compendiam.
O Registo poderia ter um carácter meramente informativo, não fora o efeito que transluz da decisão inibitória vertida sobre acção colectiva (ou grupal) instaurada contra o predisponente.Mas o alcance é outro e bem mais definido.Claro que se não desvaneceria a relevância do Registo se acaso a eficácia do caso julgado fosse mais ampla, isto é, erga omnes.Ainda assim o Registo justificar-se-ia se eventualmente os predisponentes vencidos na acção inibitória persistissem em fazer prevalecer, por contumácia, as cláusulas entretanto proibidas apostas em concretos contratos singulares.
Tal permitiria aos consumidores em geral (e aos mais titulares) e bem assim a quem exerce o patrocínio judiciário o acesso a fontes privilegiadas que poderiam fazer luz em relação a um sem número de concretas situações de facto e de direito.Daí que se nos afigure de realçar a relevância do Registo seja sob que perspectiva for.2. A prevenção geral. A eficácia do caso julgado, qualquer que seja, ante a difusão que dos julgados se faça, tem em si mesma virtualidades de prevenção geral. Predisponentes ou terceiros que se permitam elaborar formulários em que figurem condições gerais dos contratos ou que delas se sirvam noutros suportes18 têm aí uma fonte privilegiada para não lograr cometer análogos atropelos, proscrevendo, pois, de entre as condições gerais a adoptar, as que hajam sido proibidas ou por se acharem incursas nas listas negras ou cinzentas (respectivamente, absoluta ou relativamente proibidas) ou por ofenderem o princípio geral ou a cláusula geral da boa fé, nas vertentes por que se desdobra – a objectiva como a subjectiva19 .
Se os operadores económicos ou terceiros se propuserem oferecer, no mercado, condições gerais ilícitas, a despeito da proibição decretada por decisões definitivas com trânsito em julgado, tal facto relevará para efeitos de apreciação da litigância de má fé na lides em que intervierem20 .O efeito de prevenção geral que na circunstância se aparelha é uma das consequências imediatas do registo, já que um outro instrumento, a saber, o da publicidade da decisão na imprensa, ante a menorização das páginas em que tais publicações se inserem, não colhem o efeito que na sanção acessória se antevira.Na realidade, a LCGC, no nº 2 do seu artigo 30, contempla uma tal hipótese, ao prever que o demandante pode ainda requerer que o vencido seja condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determinar.
E, na realidade, desde o recurso a um tipo gráfico imperceptível até à expressa recondução que o aviso figure entre os editais mais anódinos e massificantes dos periódicos, é facto que tais elementos passam despercebidos aos espíritos mais despertos.Daí que o Registo seja, em verdade, contanto que funcione, o mais notável dos instrumentos que, neste particular, surge com a chancela de um serviço oficial que, por si só, é um dado acreditante.Ponto é que, como se assinalou, funcione. E a massa de interessados se socorra de forma pró-activa da soma de dados que nele se encerram.
A prevenção geral analisa-se, pois, nos aspectos que se evidenciaram nos passos precedentes.Para tanto é indispensável que os titulares da legitimatio ad causam se não distraiam, em particular o Ministério Público e as associações de consumidores actuantes no que à tutela da posição jurídica do consumidor se reporta. De não olvidar que uma instituição pública – o Instituto do Consumidor – também detém entre nós legitimidade processual activa, conquanto nem por uma só vez a haja exercido, a despeito de haver no mercado uma massa pluriforme de formulários e demais suportes em flagrante afrontamento à lei.Daí que se haja proposto, sem sucesso, a constituição de uma Comissão das Cláusulas Abusivas21 , de pendor administrativo, que houvesse por escopo a análise dos formulários em circulação e de outras hipóteses de facto a eles reconduzíveis, a fim de fornecer tempestivamente ao Ministério Público o trabalho de base para a proposição de acções que as circunstâncias recomendassem ou impusessem.
3. A prevenção especialA prevenção especial visa na essência a figura do sujeito alvo das diligências processuais que culminam na acção inibitória ou em acção singular autónoma, que não na dependência de uma qualquer decisão passada em julgado (ou, quiçá, de uma proibição provisória, que é figura próxima do deferimento dos procedimentos cautelares)
22 .De registar que se o demandado, vencido na acção inibitória, ou de análogo modo, no despacho que proíba provisoriamente o uso ou a recomendação de uma qualquer condição geral constando ou não de formulário pré-redigido, infringir a obrigação de se abster de empregar ou de recomendar tais condições gerais objecto de proibição definitiva, incorre numa astreinte, vale dizer, numa sanção pecuniária compulsória23 que não pode ultrapassar, por infracção, o dobro do valor da alçada da Relação (ora fixado em 14 963.94 €, ou seja, o equivalente aos antigos 3 milhões de escudos), o que perfaz, em moeda corrente, € 29 927.87.A sanção é aplicada pelo tribunal que apreciar a causa em 1ª instância, a requerimento de quem possa prevalecer-se da decisão proferida, facultando-se ao infractor a oportunidade de ser previamente ouvido, de harmonia com o princípio do contraditório, da contraditoriedade ou da audiência contraditória, que a lei processual em geral consagra ou reconhece.A prevenção especial é a que se exerce sobre o sujeito de que se trata.
E, na realidade, ainda que de condenação desacompanhada de eventual sanção pecuniária compulsória se cure, o facto é que as consequências que se exercem sobre o sujeito relapso conduzem-no a agir cautelarmente sempre que haja de preparar o projecto de clausulado de um qualquer formulário ou de qualquer outro suporte, se for o caso.É que, como o povo em sua milenar sabedoria proclama, “gato escaldado, de água fria tem medo”.Como a violabilidade é característica fundante quer da norma jurídica quer das decisões condenatórias da judicatura, importa precaver situações de contumácia para se agir em conformidade...O nº 1 do artigo 32 da LCGC encerra um ditame segundo o qual as condições gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras que se lhe equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas.
Se a prevenção especial cominada na condenação não tiver a virtualidade de sofrear os ímpetos de antijuridicidade do proponente ou de terceiro que ofereça no mercado ou à contratação condições gerais feridas de ilicitude24 porque proibidas absoluta ou relativamente ante as listas negras ou cinzentas e a cláusula geral da boa fé, a publicidade poderá representar por si só o ingrediente que faltaria para o efeito.A prevenção especial emerge, pois, não só da condenação em si mesma considerada, mas dos seus reflexos no Registo Nacional, se for o caso, pela publicidade que nela se encerra.Ademais, se do Registo constar, como parece dever figurar, o nome ou a denominação social do demandado, o facto constituirá a se algo de deslustrante, por um lado e, por outro, um óbice à prossecução ou à persistência da manutenção de condições gerais em detrimento dos equilíbrios contratuais.
De qualquer sorte, o papel que se reserva à prevenção especial não pode ser descurado.E representa um segmento relevante – até em termos pedagógicos – na recondução dos sujeitos de direito às coordenadas e às directrizes de uma ordem jurídica bem fundada, nas vertentes da justiça e da segurança. 1 No sentido em que defendemos com maior propriedade a expressão “condições gerais dos contratos”, vide Paulo Luiz Neto Lôbo, Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas, Saraiva, São Paulo, 1991, págs. 29 e ss., maxime 33. 2 A LCGC - sob a epígrafe “serviço de registo” - consigna:
“1- Mediante portaria do Ministério da Justiça, a publicar dentro dos seis meses subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, será designado o serviço que fica incumbido de organizar e manter actualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas que lhe sejam comunicadas, nos termos do artigo anterior.
2- O serviço referido no número precedente deve criar condições que facilitem o conhecimento das cláusulas consideradas abusivas por decisão judicial e prestar os esclarecimentos que lhe sejam solicitados dentro do âmbito das respectivas atribuições.”
3 Adaptando, os tribunais devem remeter, no prazo de trinta dias, ao Registo Nacional, cópia das decisões que, por aplicação dos princípios e das normas constantes da LCGC, hajam proibido o uso ou a recomendação das condições gerais.
4 Cfr. Portaria nº 1093/95, de 6 de Junho, que comete ao, ao tempo, Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça uma tal incumbência.
5 Como se observa, o registo compreende não só países da UE, como do EEE – Espaço Económico Europeu. Nele se não incluem os 10 países que integraram a União em 2004.
6 Parecer [(2001/C 116/25), in JOCE 116, de 20 de Abril de 2001], cujo relator foi o português A. Ferreira.
7 A remissão que no original se faz para outro passo do parecer permite situar a observação nestes termos: o CES convida igualmente a Comissão e os Estados-membros a unirem esforços no sentido de examinar a possibilidade de uma nova abordagem a toda esta matéria, fazendo apelo, designadamente, à experiência norte-americana na elaboração de “leis-quadro” ou “leis uniformes”, no intuito de se avançar de modo mais consistente, na tentativa de uma real convergência dos direitos nacionais, ao menos em aspectos sectoriais (v.g., seguros, actividade bancária, transportes, serviços essenciais), deste modo melhor se ultrapassando as dificuldades da coexistência, na U.E., de sistemas jurídicos baseados em conceitos não coincidentes”.
8 Parecer de Iniciativa INT/203 intitulado “A Política dos Consumidores após o Alargamento da U.E.”, Bruxelas, de 10 de Fevereiro de 2005.
9 CLAB Europa – The European Database on Unfair Terms, in Journal of Consumer Policy, Springer, vol. 28, nº 3, September 2005, pág. 326.
10 Os autores acrescentam, porém: “a look into CLAB, into its strength and weaknesses, wright help to initiate a debate on an ambitious project, which has survived for nearly 10 years without attracting the interest from practitioners and / or academics that it’s merits”.
11 E, como se não ignora, uma decisão diz-se passada ou transitada em julgado quando não seja susceptível de recurso ordinário, nos termos do artigo 676 do Código de Processo Civil.E as decisões neste particular, sempre que se trate de acções inibitórias, são susceptíveis de recurso e, mercê do valor, não só do recurso ordinário de apelação, como do de revista, a menos que o transcurso prazo de interposição (10 dias após a notificação) o não consinta.
Porque, ex vi artigo 29 nº 1 da Lei das Condições Gerais dos Contratos, o seu valor excede em 1 cêntimo a alçada da Relação.
12 O identificado artigo prescreve nos nºs 2 e 3:“2. A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto. 3. A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto.”
13 O artigo 34 da LCGC prescreve:“Os tribunais devem remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço previsto no artigo seguinte, cópia das decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos princípios e das normas constantes do presente diploma, tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares.”
14 Cfr. a LC – Lei do Consumidor - que, no seu artigo 20 prescreve:“Incumbe também ao Ministério Público a defesa dos consumidores no âmbito da presente lei e no quadro das respectivas competências, intervindo em acções administrativas e cíveis tendentes à tutela dos interesses individuais homogéneos, bem como de interesses colectivos ou difusos dos consumidores”.Cfr. ainda o artigo 13 da LC que, na sua alínea c), estabelece:“Têm legitimidade para intentar as acções previstas nos artigos anteriores:O Ministério Público e o Instituto do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, colectivos ou difusos.”E a alínea c) do artigo 26 da LCGC que, em período anterior ao da publicação e vigência da LC, conferia legitimatio ad causam ao Ministério Público para as acções inibitórias especialmente destinadas a proibir o uso ou a recomendação de condições gerais cabíveis nas listas negras e cinzentas da Lei ou atentatórias da boa fé objectiva, como subjectiva.
15 Cfr. no endereço electrónico que segue: www.dgsi.pt/gdep.nsf.
16 O Registo das Cláusulas Abusivas que é susceptível de se detectar numa página disponível do Gabinete de Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação do Ministério da Justiça de Portugal, força é dizê-lo, não tem qualquer valimento, não apresenta qualquer préstimo, antes constitui uma autêntica decepção, sem critério, pejado de erros ortográficos, sem que da maior parte dos arestos haja sequer uma súmula, já que figura tão somente o órgão de judicatura, a data e o nº do processo.Jamais nos havíamos apercebido do descaso – do desfastio com que formalmente se “cumpriria” (e cumprir é, neste passo, extraordinária força de expressão) o mandamento legal da constituição e funcionamento do Registo (Nacional) das Cláusulas Abusivas.
Os objectivos imbricados no Registo foram pura e simplesmente trucidados pelo mau serviço e pela insensibilidade do gabinete após a substituição do director que tanto se empenhara na concretização de um tal desideratum...Seria preferível que não houvesse eventual Registo das Cláusulas Abusivas. Ou, por outra, confundir um Registo com o que se nos oferece é algo de uma miopia arrepiante. Um escândalo que merece ser denunciado urbi et orbi, tal a expressão que assume ou de que se reveste...Ao que chegou a administração pública que os gravosos impostos dos contribuintes alimentam em manifesta desproporção às prestações dispensadas!!!...Ao que se chegou... (continua na próxima edição)
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