Tuesday, June 27, 2006

Participação de um acidente de trabalho!

Monday, June 26, 2006

Excursos e incursos no percurso da advocacia

(continuação da edição anterior)

6. Fugir da justiça e evitar os tribunais já não é um sussurro é um clamor da vox populi. A imagem da função do Juiz e da justiça está estragada e degrada-se dia-a-dia. O sistema judiciário funciona mal e a más horas. E por que é que não se faz nada para mudá-lo? E por que é que se continua, como em França (Denis Robert – La Justice ou le chaos) a acreditar na mentira do Estado que consiste em repetir até ao embrutecimento que a justiça é capaz, serena, credível?

Só que o papel do político é o de escutar a necessidade da justiça e de o satisfazer. Só que a questão situa-se no coração do pacto social, ou seja, situa-se no coração da política no sentido da vida da cidade, no coração da cidadania. Se os cidadãos estão descontentes com a administração da justiça, é todo o funcionamento social que está em riscos de ser afectado. A perda de autoridade da justiça num Estado acarreta de uma maneira difusa a perda de autoridade de todo o aparelho do Estado.Uma sociedade de direito e contratual, aliás, hiperjurisdicizada, necessita de uma justiça mais forte, mais eficaz e mais prestigiada.

A justiça não é uma instituição como as outras. É um serviço essencial, é o recurso da liberdade contra o poder, é a suprema instância de regulação dos conflitos. E nunca esqueçamos, recusando qualquer deriva para uma certa ideia de ordem, que a sociedade democrática é essencial e estruturalmente conflitual e que só nela se exprimem livremente as dissonâncias do mundo e das pessoas. E nós, advogados, somos os representantes qualificados nesses conflitos de direitos e de interesses.A justiça é a instituição mais simbólica do Estado e, sendo-o, a sua perda de credibilidade não afecta e humilha apenas os juízes, mas também todo o Estado e todos nós cidadãos e o respeito que os cidadãos se devem uns aos outros. E, quando os indivíduos não respeitam uma autoridade superior que se chama justiça, os grupos sociais também deixam de respeitá-la.

Ora, para que uma sociedade funcione é necessário uma autoridade diferente que represente a justiça e a quem os cidadãos reconheçam o mínimo de prestígio e capacidade. O poder simbólico da justiça permite a uma sociedade funcionar com simplesmente os sinais da autoridade. Se o sinal é fraco, decadente, a autoridade já não pode exercer-se senão com o recurso à força.Se o sinal e o símbolo da balança já não evocam nada para ninguém, então é necessário empunhar a espada. E quaisquer que sejam as, quantas vezes, execráveis, razões da força não pertencem elas ao mundo das estimáveis e desejáveis forças da razão.

Recentemente foi dado à estampa o grito de alarme, denominado o “Apelo de Genève”, subscrito por sete qualificados magistrados de vários países da Europa que decidiram dizer não ao estado em que vivemos, ao estado da nossa Administração da Justiça pela Europa fora e dentro.Dirigiram-no aos políticos em particular e à opinião pública em geral. Para que todos possam compreender que a justiça e o seu exercício são hoje a sorte, o jogo e o futuro das democracias europeias.Por isso, escreveu-se nesse «Appel de Genéve», que à sombra de uma Europa em construção visível, oficial e respeitável, esconde-se uma outra Europa mais discreta, menos confessável, uma Europa de sombra mas que as autoridades políticas se revelam incapazes de atacar por forma clara e eficaz.

Ora “desse exercício novo de justiça depende o futuro da democracia na Europa e a verdadeira garantia dos direitos do cidadão tem esse preço”.A única resposta é, antes de mais, de ordem cultural. O papel que se impõe, neste começo de século, é o da reconstrução da República a partir da base, refazendo os novos cidadãos dos novos tempos. É pela interiorização de um discurso, de um modo de racionalização político e jurídico e de práticas de civilidade enraizadas numa antiga e forte cultura que os indivíduos aprendem a inscrever-se na sua sociedade, a comunicar nela e até a resistir-lhe.

O que depende da educação e reforma das mentalidades mas também da capacidade do legislador e dos diferentes decisores em repudiar os mitos caducos. O que depende, enfim, da firmeza com a qual serão postos em obra os princípios da tradição republicana – a lei, a igualdade de direito, o respeito das formas jurídicas, o conflito, o laicismo, a responsabilidade, a sanção, a civilidade, a sacralização da vida privada, a separação das ordens – capazes de despertar em nós, com a alegria de viver, o nosso gosto e desejo imemoriais de liberdade. Pagamos hoje um preço caríssimo, que é o da desafectação da opinião face ao exercício da política.

Fez-se o inverso do que se deveria ter feito: favoreceu-se o consenso e o compromisso para evitar as alternâncias. Só que a consciência responsável só se desperta no conflito. E “é bom – como alertava Alain nos seus “Propos sur le bonheur” – ter um pouco de mal em viver e em não seguir um caminho inteiramente uno”.A democracia não é um regime, é uma convenção de uma fragilidade magnífica, magnífica. E ficamos condenados a nada compreendermos das tensões que rasgam as democracias contemporâneas se não recordamos que o sufrágio universal, ainda que corrigido pelo sistema representativo e por contra-poderes, já não é uma garantia suficiente, só por si, contra a tentação totalitária e contra a desordem civil: ele necessita de apoiar-se numa cultura e em usos e costumes sociais.

Tal como a expansão não dependente dos economistas, a salvaguarda das liberdades não é tributária dos professores de direito. O bom funcionamento de uma democracia é, antes de mais, uma questão de mentalidades. Afirmar que “ela é o pior de todos os regimes à excepção de todos os outros” significa que ela é o menos contraditório com a ideia que um homem livre faz da sua dignidade. E o mais fácil de ser adoptado com argumentos de razão. Nunca esqueçamos que foram precisos vinte e dois séculos, da Grécia antiga a Jean-Jacques Rousseau, para fazer ancorar nos espíritos a ideia de que a vontade da maioria não é outra coisa senão uma relação de forças. Cada um dos sistemas democráticos corresponde a um modelo, marcado por uma história, melhor dizendo, enquadrado por uma cultura.

É sempre possível fazer evoluir o povo mal informado para o povo melhor formado. E é tempo de reencontrar, sob o monstro gregário em gestação, a figura do cidadão. Ao preço de uma mudança de doutrina que não será simples de traduzir em actos nem de fazer aceitar. Mas que constitui a nossa oportunidade de nos adaptarmos ao mundo que chega sem perder a inteligência e, também e sobretudo, o gosto e o desejo da liberdade.A responsabilidade social do advogado não se esgota na temática do acesso ao direito e passa pelo esclarecimento da opinião pública sobre as questões que se vão pondo à justiça, como o segredo de justiça, sobre as relações entre a tutela da personalidade e o direito de informar, sobre a instituição de um regime de tratamento em público de casos judiciais, sobre o modelo de administração da justiça, sobre a defesa dos direitos, liberdades e garantias.

Os direitos humanos, para além dos avanços e recuos dos mecanismos destinados a efectivá-los, continuam a ser, invocando as palavras do poema de Jorge de Sena:Uma pequenina luz bruxuleante e muda como a exactidão como a firmezacomo a justiça.Apenas como elas.Mas brilha.Não na distância. Aqui.no meio de nós.Brilha.Não, não regressemos às utopias dos “condutores da história” ou das “vanguardas iluminadas” que dispensam a democracia, a soberania do povo legitimada pelo voto na eleição dos seus representantes, e a liberdade de dizer sim, de dizer não, de dizer não sei, não quero e até de não dizer nada.

Essa variedade plural de opções é, em democracia, o exercício da liberdade que, já no sábio e antigo dizer de Espinosa, é o fim do Estado. E o exercício livre desse voto não é, longe disso, um jogo formal e falacioso de cartas marcadas e falsificadas, nem à partida nem à chegada.Porque nisto de “liberdades” é também como nos gostos: quem não gosta demais, não gosta bastante.Porque a liberdade ganha, nestes dias de chumbo, mas também de esperança, densidades diferentes e assume projectos colectivos particularmente sugestivos. A liberdade não pode, por isso, ser vista exclusivamente pelo seu lado negativo, como resistência, como contestação, pois tem de ser valorada como um impulso de autenticidade, de criatividade, de cidadania, de ser livre de escolher, em democracia, e sobretudo através do sufrágio. Porque, não o esqueçamos nunca, o radical último da liberdade, qualquer que seja o ângulo donde o analisemos, está nesse pedaço de “nós” em que a escolha se realiza.


E, para aqueles que têm uma liberdade diminuída e apoucada, porque têm medo, têm fome, têm ignorância, é dever do Estado e dos cidadãos tudo fazer para que os cidadãos o sejam sem medo, sem fome e sem ignorância. Não esqueçamos que a defesa da liberdade profunda e da democracia, vem manifestada nos múltiplos enriquecimentos que a história lhe vai dando, sendo tarefa imorredoira de todos os dias. Somos tanto mais livres quanto mais liberdade encontramos nos outros. Por isso promover a liberdade do outro é o “meu” mais profundo acto de liberdade.Ora numa sociedade concreta há vários projectos possíveis, toda a sociedade moderna é uma caldeira de projectos, muitos deles nem virtualmente de acordo sobre certas e últimas coordenadas de fundo que dão corpo e sentido à ideia de establishment.

Antes de tudo, há que entender que o projecto é um feixe de fins, de meios e de tácticas, que correspondem, cada um deles, a uma das várias missões que a concreta societas coordena e realiza: éticos, políticos, económicos, higiénicos, de saúde, de cultura, de lazer, de desporto, de segurança, de defesa, etc, etc..Já menos evidente ou, talvez antes, menos consciente é que os valores do projecto não são apenas os recolhidos ou estabelecidos pelo bloco social no poder. Pela simples razão de que ninguém manda sozinho, de que ninguém reina sobre os mortos, como Aquiles dizia, há sempre um subterrâneo compromisso entre dominante e dominado; o que não determina felizmente a resignação deste, mas obriga aquele (na sua sede de perpetuação) a calculadamente transigir com alguns valores do segundo.

Valores muitas vezes reclamados por movimentos sociais e expressos naquilo que Laurent Joffrin chamou de utopias realistas para este séc. XXI (NO Nov.99/Jan. 2000).Não falo de uma China democrática, de cidades sem automóveis, de um capitalismo tornado moral, da fome erradicada do mundo, das religiões convertidas à tolerância, de uma justiça sem fronteiras mas de algumas esperanças e de possíveis vitórias. Devemos reabilitar a utopia. Segundo Eric Hobsbawn, o séc. XX (do assassinato de Sarajevo – 1914 à queda do Muro 1989) foi o da utopia em actos, ou seja, o dos bárbaros modernos, desse casal infernal do fascismo-comunismo. Mataram-se só num século mais seres humanos do que nos vinte séculos precedentes. À oposição revolução-conservadorismo que marcou o mundo do séc. XX, substituiu-se depois uma oposição entre um capitalismo sem freio e o movimento daqueles que lhe resistem. Esse neo-liberalismo está em vias de absorver o planeta inteiro. Chamam-lhe mundialização, globalização.

Vejamos algumas dessas movimentações:

1) As organizações não governamentais (ONG) como uma internacional dos cidadãos, fundada uma sociedade civil internacional baseada no controlo do cidadão (Greenpeace, Médicos sem Fronteiras, Amnistia Internacional);

2) A exigência de um salário mínimo mundial. Depois da abolição do trabalho infantil e do reconhecimento do sindicalismo, mundializar tudo, globalizar a luta, graças à luta por uma intersindical mundial através da Internet!...

3) A equidade sobre a etiqueta. Novo contrato: o produtor compromete-se a respeitar as normas sociais estabelecidas pela Organização Internacional do Trabalho; o consumidor solidário aceita pagar o justo preço pelos produtos oriundos de uma proveniência “equitativa”.

4) A verdade cotada pela bolsa. Os investidores não se determinam somente em função de critérios de rentabilidade financeira e passam as empresas pelo crivo moral, social e ecológico. Os fundos de pensão éticos.

5) Empréstimos sem fronteiras. O microcrédito à grande pobreza. O Banco Mundial de crédito chamado banco dos pobres. O crédito como um direito do homem. Espécie de uma economia de fraternidade. É preferível ensinar um pobre a pescar do que lhe dar um peixe. Melhor, mais se lhe devem dar os meios de comprar uma cana de pesca.

6) Accionistas: os pequenos fazem a lei. São o povo, o conselho de administração, o governo. Os accionistas agrupados nos fundos de investimento.

7) Medicamentos para os excluídos. A excepção sanitária é uma vitória dos ONG; os países do Sal atacados pelas doenças infecciosas obtêm o direito de produzir os medicamentos de que necessitam.

8) O homem à medida. O progresso espectacular da medicina, da genética e da informática tornam possível a aparição de um novo homem: o homem em kit. Cada enfermidade ou doença ainda fatal terá a sua cura em 2010, graças aos enxertos, às próteses electrónicas e outras vacinas genéticas.

9) A escola dos 7 aos 97 anos. A formação permanente, contínua, continuada ao longo da vida. Aproveitar a baixa demográfica.

10) A genética dos mitos do homem geneticamente perfeito e do bébé com zero defeito. A possibilidade de atribuir poderes a uma Comissão Nacional de Ética para controlar esta revolução.

11) A justiça sem fronteiras. O Tribunal Internacional de Justiça. Os criminosos contra a humanidade.

12) Paridade. A feminização da vida política. Madame Europa.

13) O fim da fome.

14) As prisões: o último prisioneiro. Fim do Estado-Penitência. Menos prisão para mais segurança.

15) Circulação: uma cidade sem automóveis. Desenvolvimento dos transportes públicos, o co-transporte generalizado, interdições drásticas, o peão redescobre a sua cidade.

16) A inteligência artificial: a máquina que pensa. Hiper-ordenador.

17) O grande “bond” democrático: A China como jovem democracia.

18) Religiões: adeus às pessoas santas. A tolerância como virtude moderna. Já não se mata em nome de Deus.

19) Fronteiras: abolição e livre circulação de país em país.

20) A Câmara-cérebro. Graças aos microprocessadores biológicos podem aplicar-se receptores nas células de qualquer ser vivo e projectar imagens e filmes directamente sobre a córnea.

21) Teatro: a cena vai pela estrada. Os novos peregrinos do espectáculo são nómadas. Cabanas itinerantes, tendas, praças de vilas ou de aldeias, servem-lhes de cena. Com eles o teatro do séc. XXI escolheu as vias da utopia humana, tão humana... Por fim, saliente-se que a sociedade, mais que uma caldeira de projectos, é uma caldeira de valores: os valores estão em permanente ebulição, há valores e contra-valores que são crisálidas de valores, e essa febre, longe de ser patológica, é fisiológica numa sociedade viva.

E SÓ A DEMOCRACIA PERMITE ESSA DIALÉCTICA. Sendo certo que só se confrontam, em escrutínio, os valores assumidos pelos diversos projectos com as referidas aberturas.Essa progressiva penetração da história pelos valores da pessoa, em democracia, a que Maritain chamou “a conquista horizontal da liberdade”, é pelo que me parece, repito, mais importante surpreender o encontro da equidade com a sociedade, através de uma como que abertura em longitude do projecto, de um devir do projecto, ao encontro do homem, que é a sua extrema floração.

E então se cumprirá a profecia de Dante: “hominis ad hominem proportio” ou nos seus imortais tercetos “o homem aportará “a aquele bem” “che non há fine, e sè com sè misura”, o homem aportará “a aquele bem que não tem fim e a si consigo se mede”.Não se trata de um slogan, de retórica, de marketing, mas, sim, de realismo político básico.O desta “Divina Commedia” que é a da nossa aventura humana e que pelo imortal Dante nos foi legada, a benefício do nosso bem e do nosso caminho sob a “estrela do norte” de todo o mundo e ninguém.

Vou terminar com as últimas estrofes daquele que, para mim, é um dos mais belos poemas do séc. XX: Ítaca de Cavafy:Terás sempre Itaca no teu espírito,que lá chegar é o teu destino último.Mas não te apresses nunca na viagem.É melhor que ela dure muitos anos,que sejas velho já ao ancorar na ilha,rico do que foi teu pelo caminho,e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.Sem Ítaca, não terias partido.Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.Por pobre que a descubras, Ítaca não te traíu.Sábio como és agora, senhor de tanta experiência, terás compreendido o sentido de Ítaca.No Porto e na Faculdade de Direito da Universidade Católica aos dias 5 do mês de Maio de 2006.

Unidade de missão para a reforma penal (parte 4)

1. Afirmar que não existe uma Investigação mas sim concretas investigações a realizar em concretos processos, pode, à partida, parecer uma daquelas verdades à Senhor de la Palice.

Não sei se isso é ou não uma evidência – não tenho a pretensão de ser o portador da Verdade, muito menos de Toda a Verdade - mas estou convicto que, pelo menos, é uma postura mental indispensável a todos os que, fazendo parte de alguma das estruturas organizativas que têm como profissão proceder a esses actos de investigação, quiserem manter uma postura democrática no exercício dos poderes a que conseguiram aceder.

E não estou seguro se toda a gente assume essa postura (pelo contrário, aliás); apesar de em Portugal, lamentavelmente, ainda se confundir muito essas duas situações (e 32 anos já é muito tempo, seria de esperar que essas dúvidas já se tivessem dissipado), exercer poderes de autoridade não é o mesmo que ser autoritário – sendo certo que o inverso também é verdadeiro: ser autoritário não é condição necessária para exercer poderes de autoridade.

Para além disso, o que é mais importante, é uma vacina para algo que é terrível – o julgamento por convicção, independentemente das provas ou indícios que possam existir; os que não entendem que cada caso é um caso, único e distinto de todos o demais, passam ou correm o sério risco de passar a julgar, mesmo quando deviam estar a investigar (a apurar) os factos, arquétipos e não pessoas e o que é pior, deixam de ir à procura do que realmente aconteceu para procurar apenas (ou em alguns casos patológico, criar) eventos/fundamentos que corroborem o cenário que, por uma razão ou outra, previamente conceberam como sendo a realidade.

E era aqui que eu queria chegar (perdoem-me tão grande rodeio), porque o debate sobre o segredo de justiça também tem a ver com isto.
2. Num qualquer dado processo, mesmo num flagrante delito, à partida, existe apenas a notícia do facto (notícia da infracção).

Ignorando por momentos o papel do Advogado de Defesa ou o da vítima, cuja função é outra (e essa função é defender os interesses do seu Constituinte – e constituinte não é o mesmo que cliente – estando os mesmas apenas vinculados a certos deveres e limites éticos que não podem, ou não devem, quebrar ou ultrapassar), cabe aos órgãos de polícia criminal recolher os elementos de prova disponíveis por forma a identificar a(s) vítima(s), a descobrir qual o exacto crime (ou crimes) praticado(s) e como o foi(foram), quem o(s) praticou e os motivos que determinaram essa conduta.
Para fazer isso, é inegável que importa esboçar uma série de hipóteses – todas as que a imaginação do investigador lhe permitirem conceber a partir dos indícios existentes.

Mas é indispensável que não sejam mais do que isso, meras hipóteses a ser confirmadas ou infirmadas com o que vier a ser apurado/adquirido com o desenvolvimento da investigação; como soi dizer-se, há que manter um espírito aberto e não cristalizar “certezas” antes de tempo (desde Leibnitz, ainda no século XVIII, que sabemos que todas as nossas certezas são meramente probabilísticas e não absolutas - liguem os motores de busca se por acaso nunca tiverem ouvido falar deste famoso matemático e filósofo alemão, ou vice versa, porque aqui a ordem é mesmo arbitrária; vão ver que a vida dele dava uma telenovela de grande audiência, melhor do que muitos desses ditos reality shows que de realidade nada têm).

Como é natural, os primeiros indícios – excepto nos casos de flagrante delito – são fracos e, às vezes, até contraditórios; por isso, todas as pistas devem ser explorados e todos os suspeitos devem ser investigados (ninguém, repito, ninguém está acima de toda a suspeita), sendo certo que um suspeito não é o agente do crime e não pode ser tratado como tal. Aliás, nem sequer o indiciado ou até o acusado o são – o condenado é-o na exacta medida em que, através do devido processo (due process of law) se criou suficiente convicção, ou dito de outro modo, uma certeza para além de qualquer dúvida razoável, de que foi essa pessoa que praticou a infracção, delito ou crime).

Ora, para que uma investigação possa desenvolver-se com profundidade – chame-se mal necessário ou outra coisa qualquer – é inevitável que alguns direitos das pessoas, dos cidadãos, sejam violados (a palavra é esta e não vale a pena usar sofismas ou, passe o vernáculo, paninhos quentes), nomeadamente, a sua liberdade e a sua privacidade

Mas este atropelo desses direitos – aqui está outra palavra que custa a dizer e a ouvir – só é legítimo se se limitar ao mínimo indispensável e só é tolerável se for secreto para terceiros.

Porque, como diz a sabedoria popular, as aparências iludem e nem tudo o que luz é ouro (e uma vez mais repito, a sabedoria popular é um saber estatístico que resulta da acumulação da experiência de gerações e gerações de seres humanos, alguns desses ditados são milenares, e como tal tem que ser respeitada – atenção, respeito não é obediência cega, mas só um idiota chapado se atreve a ignorá-la; pois não argumentamos nós, ou muitos de nós, quase todos os dias, com os resultados das sondagens e dos estudos de opinião?). Ou seja, os indícios podem ser realmente meras aparências ou coincidências e a pessoa em causa nada ter a ver com o delito praticado – ser um inocente. E nem sequer estou a ter em conta as fabricações, ciladas, embustes ou, deixem-me ser um pouco irónico, as cabalas, que, tal como as bruxas, que as há, há.

Todavia, a partir do momento em que essas intrusões excedem o que é necessário, tornam-se abusos, tornam-se crimes. E o mesmo acontece com a violação do segredo.
É assim que se passa nas Sociedades Civilizadas e é assim que se devia passar em todo o Planeta – não tenho medo que digam que tenho a mania que a chamada sociedade ocidental é superior às demais; para mim é mesmo superior e é bom que nesta Aldeia Global estimemos e nos orgulhemos desses ideais e princípios que nos custaram gerações inteiras de sangue suor e lágrimas e que estão corporizados no designado Estado Social de Direito e, acima de tudo, é imprescindível que, contra ventos, modas e marés, lutemos por eles aqui na nossa própria casa e no Mundo.

3. Como resulta do que venho expondo, para mim, segredo de justiça e presunção de inocência são conceitos completamente interligados, fazendo parte do núcleo duro dos elementos estruturantes da Comunidade.

Quem investiga, persegue, acusa e julga criminosos tem que ter alguma superioridade ética e moral sobre eles – tem que usar de algo que eles não têm, lealdade e lanheza de carácter e de comportamentos. Nos actos e não apenas nas palavras. Em suma, tem que ter princípios e agir em conformidade com eles.

Como já uma vez escrevi, o Código de Processo Penal e o sistema judiciário não podem ser a corporização do princípio que sustenta que para malandro, malandro e meio.
E estejam seguros que, ao contrário do que afirmam os securitários, uma sociedade civilizada não fica refém nem está indefesa perante o crime organizado, de que o terrorismo é apenas mais uma faceta – os traficantes de seres humanos e os que ganham com o tráfico de substâncias estupefacientes ou de armas são tão perversos, perigosos e nocivos como os bombistas suicidas e aqueles que os armam, apenas os efeitos dos seus crimes são menos visíveis. Ou, se calhar, apenas menos espectaculares.

O que nós não podemos é ser indiferentes ao que se passa à nossa volta, desinteressados e desatentos face aos outros membros da Comunidade e aos seus/nossos problemas e fechados na nossa vidinha e nas nossas coisinhas … em resumo, não podemos ser passivos, abúlicos, acríticos e amorfos, e ao invés temos que ser cidadãos inteiros, cuidadosos, atentos e interessados. E, infelizmente, também preocupados.

4. Mas uma outra deslealdade e perversidade está intrinsecamente ligada à violação do segredo de justiça. No Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, isto é, aprovado depois do Golpe de Estado de 28 de Maio de 1226 que deu início à construção do Estado Novo, a confissão desacompanhada de outros meios de prova era, mais não seja teoricamente, inaceitável.
Não sendo a mera confissão dos factos suficiente para obter a condenação do acusado, havia que procurar outros elementos de prova, em suma, havia que trabalhar (por isso as escutas eram usadas para procurar os flagrantes delitos – os casos em que, passe o plebeísmo, os agentes do crime são apanhados com a boca na botija).

As coisas mudaram muito – e algumas dessas mudanças vieram do mundo anglo-saxónico, particularmente dos Estados Unidos da América (que, com o seu natural pragmatismo e confrontados com a impossibilidade física de julgar todos aqueles que estavam acusados da prática de crimes, inventaram o plea bargaining, em que até a pena concreta a aplicar pode ser negociada).

Agora, como nunca dantes, é essencial levar o potencial agente do crime a confessar – já não tanto, como magistralmente exposto no magnífico romance de Fedor (ou Fyodor) Dostoievski “Crime e Castigo”, com o objectivo da redenção do delinquente, mas sim para, como se de uma vulgar canalização se tratasse, desentupir o sistema.
Não que o desentupimento de canos não tenha méritos – é óbvio que sim, mas ainda não encontrei nenhum romance, muito menos um com a beleza dos de Dostoievski, que tratasse desses assuntos. Falha minha, de certeza.

E, por isso, vale tudo para obter uma confissão, até mentir.

Ou explorar os efeitos da exposição de um suspeito nos meios de comunicação social, nomeadamente se ele estiver a ser detido, algemado e humilhado em público, preferencialmente em frente dos seus familiares e amigos, mesmo quando nunca antes havia sido convocado para depor ou se havia recusado a fazê-lo. É limpinho, diria o outro – outro que não eu. Ás vezes, a simples ameaça é suficiente. Para mim, isso tem um nome muito feio – chama-se, pura e simplesmente, tortura.

Habitualmente, a este tipo de condutas está também associada a ameaça da sujeição da pessoa em causa a prisão preventiva (que será acompanhada com campanhas de novas cirúrgicas violações do segredo de justiça que têm como efeito, seja o mesmo querido ou não, a destruição pública do carácter e da credibilidade do denunciado).
Estes comportamentos estão devidamente teorizados e constituem rotina em muitos países – segundo algumas associações de direitos cívicos, isso passa-se nos EUA, tendo esses métodos sido usados na chamada “Operação Mãos Limpas” em Itália (mas, quem sabe, se não estou, eu próprio, a colaborar numa qualquer mistificação ao reproduzir tais acusações); que cada um tire as suas conclusões.

Em todo o caso, tais atitudes são também, e no mínimo, uma ilegítima e monstruosa forma de pressão sobre os próprios Juízes, sendo para mim insuportável que os próprios membros da Corporação a que pertenço não sejam os primeiros a reconhecer a situação e, como é nossa obrigação, a denunciá-la e a combatê-la. Eu faço-o e continuarei a fazê-lo, até porque, para mim, existem indícios sérios que tais tácticas poderão estar a ser usadas para obter na praça pública condenações que não conseguem ser alcançadas nos julgamentos realizados nas salas de audiência dos Tribunais.

O que é verdadeiramente monstruoso e repugnante, por melhores que sejam e sejam eles quais forem, os objectivos sociais que possam ser alcançados com tais actos.
O mais puro dos fins fica irremediavelmente contaminado se for iníquo o meio usado para o alcançar. Com isso, o perseguidor torna-se igual ao infractor perseguido.
5. Mas e então, será que para os intervenientes no processo que não as polícias e o Ministério Público (segredo de justiça interno) não deverão existir regras próprias distintas daquelas que valem para os terceiros (segredo de justiça externo) ?

Naturalmente, as regras terão que ser distintas, mas, em minha opinião abolir totalmente o segredo de justiça será o maior favor que poderemos fazer a esses prevaricadores – verdadeiros criminosos que atentam contra a subsistência do Estado de Direito. Desse modo estaremos a legalizar/legitimar esses atentados à dignidade da pessoa humana (e à solidez do Estado de Direito), que deixariam de constituir, como actualmente o são, actos ilícitos. E, passando a ser actos legais, a consequência iria ser o agravamento dos males que tanto denunciamos.
Para usar a gíria futebolística, seria beneficiar o infractor – verdadeiramente, entregar o ouro ao bandido.

E existem soluções que em nada prejudicam a eficácia – a necessária eficácia – da investigação.

Mas isso é matéria da reforma do Código de Processo Penal. A seu tempo, escreverei (novamente) sobre isso.

Por agora, pretendi, tão só, reafirmar princípios. No próximo texto, se tiverem paciência para me ler, voltarei às concretas propostas da Unidade de Missão, mais exactamente, as que respeitam às várias violações da liberdade, da autodeterminação sexual de menores, da integridade física e da saúde (e outras formas de abuso, violência ou maus tratos) das pessoas físicas.

Registo das cláusulas abusivas - O caso português

I GENERALIDADES
1. Razão de ordem
2. O registo suporte da publicidade dos actos – emanação oficial
3. Os registos informais – o CLAB na órbita da Comissão Europeia
II REGISTO E TRAMITAÇÃO REGISTRAL
1. Decisão
2. Notificação do tribunal “a quo”
3. Serviço: estruturação do registo e sua actualização
III REFLEXOS DO REGISTO
1. As vantagens do Registo ante as acções singulares que se prevalecem das decisões incidentais de nulidade
2. A prevenção geral
3. A prevenção especial
(continuação da edição anterior)
IIREFLEXOS DO REGISTO
1. As vantagens do Registo ante as acções singulares que se prevalecem das decisões incidentais de nulidade.As vantagens do Registo são manifestas.Tanto mais que pela estrutura própria das acções singulares fundadas no caso julgado produzido pelas decisões proferidas em acções inibitórias, a ciência dos julgados, a publicidade de tais decisões é fundamental para o exercício do direito de acção que incumbe, nos termos gerais, aos aderentes que hajam subscrito já contratos singulares formados à luz de condições gerais proibidas ou insusceptíveis de recomendação por decisão dos tribunais passada em julgado.

Por outras palavras: como as decisões proferidas em acção inibitória não têm eficácia erga omnes, antes valem para o futuro, não atingindo directa e imediatamente as cláusulas apostas em contratos singulares já celebrados com base nos formulários total ou parcialmente chumbados pelos tribunais, a difusão dos julgados tem-se por indispensável.E indispensável porque a eficácia é ultra partes, a saber, no sentido de que os aderentes titulares de contratos singulares poderão delas prevalecer-se para proporem as acções de declaração de nulidade (acção comum singular) porque a decisão inibitória é em si mesma ou comporta uma declaração incidental de nulidade.

Incidental porque se reflecte, isso sim, nas acções que vierem, entretanto, a instaurar-se por cada um dos aderentes reais prejudicados por cláusulas tais17 , que se limitam a absorver a decisão inibitória precedente e a decretar a nulidade nas cláusulas patentes.Por conseguinte, o acesso a decisões de forma ampla, generalizada, sem restrições, que o registo em teoria proporciona, constitui vantagem implícita que estultícia seria encarecer.Mas é indispensável que o Registo prime pela actualidade, disponibilidade e incondicionado acesso.De outro modo, frustrar-se-ão os objectivos a que visa e nele se compendiam.

O Registo poderia ter um carácter meramente informativo, não fora o efeito que transluz da decisão inibitória vertida sobre acção colectiva (ou grupal) instaurada contra o predisponente.Mas o alcance é outro e bem mais definido.Claro que se não desvaneceria a relevância do Registo se acaso a eficácia do caso julgado fosse mais ampla, isto é, erga omnes.Ainda assim o Registo justificar-se-ia se eventualmente os predisponentes vencidos na acção inibitória persistissem em fazer prevalecer, por contumácia, as cláusulas entretanto proibidas apostas em concretos contratos singulares.

Tal permitiria aos consumidores em geral (e aos mais titulares) e bem assim a quem exerce o patrocínio judiciário o acesso a fontes privilegiadas que poderiam fazer luz em relação a um sem número de concretas situações de facto e de direito.Daí que se nos afigure de realçar a relevância do Registo seja sob que perspectiva for.2. A prevenção geral. A eficácia do caso julgado, qualquer que seja, ante a difusão que dos julgados se faça, tem em si mesma virtualidades de prevenção geral. Predisponentes ou terceiros que se permitam elaborar formulários em que figurem condições gerais dos contratos ou que delas se sirvam noutros suportes18 têm aí uma fonte privilegiada para não lograr cometer análogos atropelos, proscrevendo, pois, de entre as condições gerais a adoptar, as que hajam sido proibidas ou por se acharem incursas nas listas negras ou cinzentas (respectivamente, absoluta ou relativamente proibidas) ou por ofenderem o princípio geral ou a cláusula geral da boa fé, nas vertentes por que se desdobra – a objectiva como a subjectiva19 .

Se os operadores económicos ou terceiros se propuserem oferecer, no mercado, condições gerais ilícitas, a despeito da proibição decretada por decisões definitivas com trânsito em julgado, tal facto relevará para efeitos de apreciação da litigância de má fé na lides em que intervierem20 .O efeito de prevenção geral que na circunstância se aparelha é uma das consequências imediatas do registo, já que um outro instrumento, a saber, o da publicidade da decisão na imprensa, ante a menorização das páginas em que tais publicações se inserem, não colhem o efeito que na sanção acessória se antevira.Na realidade, a LCGC, no nº 2 do seu artigo 30, contempla uma tal hipótese, ao prever que o demandante pode ainda requerer que o vencido seja condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determinar.

E, na realidade, desde o recurso a um tipo gráfico imperceptível até à expressa recondução que o aviso figure entre os editais mais anódinos e massificantes dos periódicos, é facto que tais elementos passam despercebidos aos espíritos mais despertos.Daí que o Registo seja, em verdade, contanto que funcione, o mais notável dos instrumentos que, neste particular, surge com a chancela de um serviço oficial que, por si só, é um dado acreditante.Ponto é que, como se assinalou, funcione. E a massa de interessados se socorra de forma pró-activa da soma de dados que nele se encerram.

A prevenção geral analisa-se, pois, nos aspectos que se evidenciaram nos passos precedentes.Para tanto é indispensável que os titulares da legitimatio ad causam se não distraiam, em particular o Ministério Público e as associações de consumidores actuantes no que à tutela da posição jurídica do consumidor se reporta. De não olvidar que uma instituição pública – o Instituto do Consumidor – também detém entre nós legitimidade processual activa, conquanto nem por uma só vez a haja exercido, a despeito de haver no mercado uma massa pluriforme de formulários e demais suportes em flagrante afrontamento à lei.Daí que se haja proposto, sem sucesso, a constituição de uma Comissão das Cláusulas Abusivas21 , de pendor administrativo, que houvesse por escopo a análise dos formulários em circulação e de outras hipóteses de facto a eles reconduzíveis, a fim de fornecer tempestivamente ao Ministério Público o trabalho de base para a proposição de acções que as circunstâncias recomendassem ou impusessem.

3. A prevenção especialA prevenção especial visa na essência a figura do sujeito alvo das diligências processuais que culminam na acção inibitória ou em acção singular autónoma, que não na dependência de uma qualquer decisão passada em julgado (ou, quiçá, de uma proibição provisória, que é figura próxima do deferimento dos procedimentos cautelares)
22 .De registar que se o demandado, vencido na acção inibitória, ou de análogo modo, no despacho que proíba provisoriamente o uso ou a recomendação de uma qualquer condição geral constando ou não de formulário pré-redigido, infringir a obrigação de se abster de empregar ou de recomendar tais condições gerais objecto de proibição definitiva, incorre numa astreinte, vale dizer, numa sanção pecuniária compulsória23 que não pode ultrapassar, por infracção, o dobro do valor da alçada da Relação (ora fixado em 14 963.94 €, ou seja, o equivalente aos antigos 3 milhões de escudos), o que perfaz, em moeda corrente, € 29 927.87.A sanção é aplicada pelo tribunal que apreciar a causa em 1ª instância, a requerimento de quem possa prevalecer-se da decisão proferida, facultando-se ao infractor a oportunidade de ser previamente ouvido, de harmonia com o princípio do contraditório, da contraditoriedade ou da audiência contraditória, que a lei processual em geral consagra ou reconhece.A prevenção especial é a que se exerce sobre o sujeito de que se trata.

E, na realidade, ainda que de condenação desacompanhada de eventual sanção pecuniária compulsória se cure, o facto é que as consequências que se exercem sobre o sujeito relapso conduzem-no a agir cautelarmente sempre que haja de preparar o projecto de clausulado de um qualquer formulário ou de qualquer outro suporte, se for o caso.É que, como o povo em sua milenar sabedoria proclama, “gato escaldado, de água fria tem medo”.Como a violabilidade é característica fundante quer da norma jurídica quer das decisões condenatórias da judicatura, importa precaver situações de contumácia para se agir em conformidade...O nº 1 do artigo 32 da LCGC encerra um ditame segundo o qual as condições gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras que se lhe equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas.

Se a prevenção especial cominada na condenação não tiver a virtualidade de sofrear os ímpetos de antijuridicidade do proponente ou de terceiro que ofereça no mercado ou à contratação condições gerais feridas de ilicitude24 porque proibidas absoluta ou relativamente ante as listas negras ou cinzentas e a cláusula geral da boa fé, a publicidade poderá representar por si só o ingrediente que faltaria para o efeito.A prevenção especial emerge, pois, não só da condenação em si mesma considerada, mas dos seus reflexos no Registo Nacional, se for o caso, pela publicidade que nela se encerra.Ademais, se do Registo constar, como parece dever figurar, o nome ou a denominação social do demandado, o facto constituirá a se algo de deslustrante, por um lado e, por outro, um óbice à prossecução ou à persistência da manutenção de condições gerais em detrimento dos equilíbrios contratuais.

De qualquer sorte, o papel que se reserva à prevenção especial não pode ser descurado.E representa um segmento relevante – até em termos pedagógicos – na recondução dos sujeitos de direito às coordenadas e às directrizes de uma ordem jurídica bem fundada, nas vertentes da justiça e da segurança. 1 No sentido em que defendemos com maior propriedade a expressão “condições gerais dos contratos”, vide Paulo Luiz Neto Lôbo, Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas, Saraiva, São Paulo, 1991, págs. 29 e ss., maxime 33. 2 A LCGC - sob a epígrafe “serviço de registo” - consigna:

“1- Mediante portaria do Ministério da Justiça, a publicar dentro dos seis meses subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, será designado o serviço que fica incumbido de organizar e manter actualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas que lhe sejam comunicadas, nos termos do artigo anterior.

2- O serviço referido no número precedente deve criar condições que facilitem o conhecimento das cláusulas consideradas abusivas por decisão judicial e prestar os esclarecimentos que lhe sejam solicitados dentro do âmbito das respectivas atribuições.”

3 Adaptando, os tribunais devem remeter, no prazo de trinta dias, ao Registo Nacional, cópia das decisões que, por aplicação dos princípios e das normas constantes da LCGC, hajam proibido o uso ou a recomendação das condições gerais.

4 Cfr. Portaria nº 1093/95, de 6 de Junho, que comete ao, ao tempo, Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça uma tal incumbência.

5 Como se observa, o registo compreende não só países da UE, como do EEE – Espaço Económico Europeu. Nele se não incluem os 10 países que integraram a União em 2004.

6 Parecer [(2001/C 116/25), in JOCE 116, de 20 de Abril de 2001], cujo relator foi o português A. Ferreira.

7 A remissão que no original se faz para outro passo do parecer permite situar a observação nestes termos: o CES convida igualmente a Comissão e os Estados-membros a unirem esforços no sentido de examinar a possibilidade de uma nova abordagem a toda esta matéria, fazendo apelo, designadamente, à experiência norte-americana na elaboração de “leis-quadro” ou “leis uniformes”, no intuito de se avançar de modo mais consistente, na tentativa de uma real convergência dos direitos nacionais, ao menos em aspectos sectoriais (v.g., seguros, actividade bancária, transportes, serviços essenciais), deste modo melhor se ultrapassando as dificuldades da coexistência, na U.E., de sistemas jurídicos baseados em conceitos não coincidentes”.

8 Parecer de Iniciativa INT/203 intitulado “A Política dos Consumidores após o Alargamento da U.E.”, Bruxelas, de 10 de Fevereiro de 2005.

9 CLAB Europa – The European Database on Unfair Terms, in Journal of Consumer Policy, Springer, vol. 28, nº 3, September 2005, pág. 326.

10 Os autores acrescentam, porém: “a look into CLAB, into its strength and weaknesses, wright help to initiate a debate on an ambitious project, which has survived for nearly 10 years without attracting the interest from practitioners and / or academics that it’s merits”.

11 E, como se não ignora, uma decisão diz-se passada ou transitada em julgado quando não seja susceptível de recurso ordinário, nos termos do artigo 676 do Código de Processo Civil.E as decisões neste particular, sempre que se trate de acções inibitórias, são susceptíveis de recurso e, mercê do valor, não só do recurso ordinário de apelação, como do de revista, a menos que o transcurso prazo de interposição (10 dias após a notificação) o não consinta.

Porque, ex vi artigo 29 nº 1 da Lei das Condições Gerais dos Contratos, o seu valor excede em 1 cêntimo a alçada da Relação.

12 O identificado artigo prescreve nos nºs 2 e 3:“2. A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto. 3. A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto.”

13 O artigo 34 da LCGC prescreve:“Os tribunais devem remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço previsto no artigo seguinte, cópia das decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos princípios e das normas constantes do presente diploma, tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares.”

14 Cfr. a LC – Lei do Consumidor - que, no seu artigo 20 prescreve:“Incumbe também ao Ministério Público a defesa dos consumidores no âmbito da presente lei e no quadro das respectivas competências, intervindo em acções administrativas e cíveis tendentes à tutela dos interesses individuais homogéneos, bem como de interesses colectivos ou difusos dos consumidores”.Cfr. ainda o artigo 13 da LC que, na sua alínea c), estabelece:“Têm legitimidade para intentar as acções previstas nos artigos anteriores:O Ministério Público e o Instituto do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, colectivos ou difusos.”E a alínea c) do artigo 26 da LCGC que, em período anterior ao da publicação e vigência da LC, conferia legitimatio ad causam ao Ministério Público para as acções inibitórias especialmente destinadas a proibir o uso ou a recomendação de condições gerais cabíveis nas listas negras e cinzentas da Lei ou atentatórias da boa fé objectiva, como subjectiva.

15 Cfr. no endereço electrónico que segue:
www.dgsi.pt/gdep.nsf.

16 O Registo das Cláusulas Abusivas que é susceptível de se detectar numa página disponível do Gabinete de Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação do Ministério da Justiça de Portugal, força é dizê-lo, não tem qualquer valimento, não apresenta qualquer préstimo, antes constitui uma autêntica decepção, sem critério, pejado de erros ortográficos, sem que da maior parte dos arestos haja sequer uma súmula, já que figura tão somente o órgão de judicatura, a data e o nº do processo.Jamais nos havíamos apercebido do descaso – do desfastio com que formalmente se “cumpriria” (e cumprir é, neste passo, extraordinária força de expressão) o mandamento legal da constituição e funcionamento do Registo (Nacional) das Cláusulas Abusivas.

Os objectivos imbricados no Registo foram pura e simplesmente trucidados pelo mau serviço e pela insensibilidade do gabinete após a substituição do director que tanto se empenhara na concretização de um tal desideratum...Seria preferível que não houvesse eventual Registo das Cláusulas Abusivas. Ou, por outra, confundir um Registo com o que se nos oferece é algo de uma miopia arrepiante. Um escândalo que merece ser denunciado urbi et orbi, tal a expressão que assume ou de que se reveste...Ao que chegou a administração pública que os gravosos impostos dos contribuintes alimentam em manifesta desproporção às prestações dispensadas!!!...Ao que se chegou... (continua na próxima edição)